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sábado, 22 de janeiro de 2011

Do que não queria ter visto ou ouvido


Relutei um tanto antes desta postagem. um certo pudor, talvez receio de cometer um erro, afinal, " não saiba sua mão direita o que fez a esquerda " é mais ou menos assim, né,as palavras daquele grande sábio. Mas pensei tambem que é importante que não se deixe passar possibilidades de incentivo ao trabalho necessário quando já se está esmorecendo. Quando o cansaço nos obriga a parar mesmo sem saber se seremos substituidos. O cansaço precoce, afinal, para mim, foram apenas tres dias de trabalho acrescidos ao da viagem, pode ser devido à idade, não tenho mais cinquentita, mas não, sou bem resistente. Certamente se deve à uma  imensa dor que circunda os locais por onde passei. Talvez pela angustia dos desencarnados que sem entender o que passou, ainda estão presos ao corpo, enterrados onde inadvertidamente passamos e pisamos no afã de atender aqueles que estão sequer sem água para beber, ou notícias "de fora". Mas tambem pela dor dos vivos que perdidos ficaram dentro de tantas perdas. Há quem acreditasse ter sido o fim do mundo, todo. Sem contato, vivos e confinados com os seus cadáveres, de amigos, ou filhos e pais, sem recursos básicos ou as facilidades habituais. Algumas vezes, enquanto distribuia água sentia-me uma inútil, afinal, tão pouco, sequer me atrevi a chegar muito mais adiante, longe de onde tinha que, finalmente, desistir de seguir com carro , 4x4, reduzida. Algumas centenas de metros, apenas. Afinal, ainda recebíamos advertencias de riscos de novas chuvas. Mas recordo das lágrimas das duas crianças à beira de estrada devastada, ao receberem a água, ao anoitecer do dia, do  8º dia da catástrofe, dizendo que estavam com sede desde a manhã e sei que mesmo quase nada acaba por ser muito. Mesmo sem ter cesta básica ou qualquer alimento em meu carro, naquele momento, que tambem precisavam. Avisa-se a outras equipes. O sorriso ao receber a água, daqueles que sob sol intenso e poeira dedicam-se a escavar a lama na tentativa de encontrar os corpos que ainda lá estão. Alguns na busca dolorosa de seus queridos, outros apenas sentem a necessidade de estar ali, ajudando, apesar do mal cheiro, do risco de doenças, com equipamentos inadequados ou insuficientes.
Se eu poderia ter feito mais, certamente, ainda voltarei para lá, mas precisava reabastecer-me. Emocionalmente. Descobrir que o caos em esfera micro que encontro em casa sempre que me ausento mais de dois dias na verdade não tem a importancia que sempre atribui. ( Mas ainda assim ao chegar fiquei furiosa, pois o motivo para vir, acaba por ser insignificante perto de tudo que vi )
Descobri que mesmo sem suprimentos, quando meu estoque acabava, ainda tinha...ouvidos para ouvir. Os relatos, a necessidade de mostrar " ali, era o quarto de meu filho, aqui o meu, onde eu só via o rio, ou a lama ou destroços. E contavam novamente do medo, da dor. Da força da água que arrancou filhos pequenos do braço das mães ou dos pais. " A ultima coisa que me lembro é do choro dele sendo levado ".
Risos histéricos, ao especularem como será, sem casa e sem emprego, sem grande parte da familia ou dos amigos. Muitas empresas tambem foram destruidas.
Vi tambem muita solidariedade, gente de perto, gente de muito longe, trazendo suprimentos de todos os tipos e principalmente seus braços e coração. Mas vi o oposto disso. Aproveitadores, seres que não deveriam estar entre os humanos.
Por que afinal, falar disso ? Eu chorava, à frente da TV, como muita gente, ao ver as imagens. Então fui.
Mas falo porque ainda vão precisar muito. E então peço: quem puder e mesmo sem poder muito, sempre há o que fazer. Contar historias para as crianças, brincar. Ouvir as historias, das crianças e dos adultos. Uma palavra de conforto, de fé, ( quem for felizardo o bastante para dispor disso), de esperança, para todos.. Doar de si, um pouco que seja.  Eu voltarei apenas daqui a 15 dias. mas quem puder vá agora, depois, daqui a 1 mes, doe alimentos , água, carinho.  Vai ainda ser muito necessario. Mantimentos, suprimentos, material de limpeza, de higiene pessoal. Muitos ficarão acampados meses ou talvez anos. Dá para imaginar? Não, eu sei que não, então, ação.




Dra Sandra, que sofreu infarto a menos de um ano, subindo em busca de uma família isolada, onde havia informação de prováveis feridos



Uma das equipes de saude, retornando após identificação das necessidades dos que moravam acima., e atendimento a algumas delas.

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7 comentários:

São disse...

Minha Amiga, é o primeiro - e até agora, único - testemunho que conheço na primeira pessoa acerca da tragédia das cheias aí.

E, realmente, não há nada que se possa comparar à vivência da situação ela mesma.

Impressionante!!

Que haja alívio para quem sofre!


E muitas bençãos para quem dispões de si para tentar minorar , um pouco que seja, tanta dor e desolação!

Para si, a minha admração e respeito num apertado e solidário abraço.

Bem haja, querida!

Ricardo e Regina Calmon disse...

UMA HONRA,TER VOCE EM CAMPOS MEUS DE GIRASSOIS,AMARIA,ESSA GENEROSIDADE SUA!
ACERCA DE POST TEU,INTENSO BELA COBERTURA E CUMPRIMENTO SOLIDÁRIO,TE ADMIRO E ABRAÇO!
EM UNIDADE,NÃO DESCANSAREMOS,EM AS MÃOS DAR,A SEMELHANTES NOSSOS!

VIVA LA VIE

RICARDO

William Garibaldi disse...

Vim aqui pois teu pseudônimo me chamou muito! Lá no Blog do Gaspar!
Eu adoro o Urtigão! rsss Meu pai se identificava muito com ele na minha infância e ainda se identifica! rsss


Aproveito pra deixar aqui o meu Desejo de paz a este planeta, paz ecológica!
De alívio para estas dores e estas almas!

Om Luz!Amor Luz! Cura e Luz!

Beijos!
Muito prazer!

Dilberto L. Rosa disse...

"A ultima coisa que me lembro é do choro dele sendo levado"...

Segurando-me até agora para não chorar: tenho uma filha pequena e a imagem que me proporcionaste com esta frase pungente não sairá da minha cabeça, jamais, apesar de não a ter visto...

Meu Deus... Difícil dizer algo, não?

Acho que era isso que eu queria sentir ou ouvir: fui lá para o meio do povo que perdeu tudo conversar com eles e ver de perto... Porque montanhas de mantimentos, por mais necessários que sejam, às vezes são desviados, mal-conduzidos ou mesmo acabam virando excessivos (sei que, por enquanto, não...), mas o que fizeste era o que todos deveriam fazer, somos todos irmãos...

Obrigado por esta postagem: melhor que muitos jornais sensacionalistas da TV... Acabam virando frios de tanto chafurdarem nessa lama...

Abraço!

O Árabe disse...

Muita dor, sim, amiga... e apenas a compreensão e o Amor a poderão aliviar! :( Boa semana.

Gaspar de Jesus disse...

DONA, minha cara amiga.
Parabéns pela coragem e entrega a essa causa que é de todos.
Tal como já escrevi hoje, por vezes Deus se distrai.
O grande e querido povo brasileiro não merecia essa desgraça.
Mais uma vez parabéns.
beijinho
G.J.

Paula Barros disse...

É de arrepiar e fazer chorar, um relato como diz São, em primeira pessoa. Que sentiu como é doloroso ver e ouvir tudo que está acontecendo ali.

Que você tenha forças para voltar.

abraço

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