Bicho-da-mata, não precisava ser bicho do mato, fobia social, mas é assim que sou. Insisto contra a minha natureza em ser normal, ou parecer normal, com pouco ou nenhum sucesso, há décadas. Quanto mais procuro desaparecer na multidão, mais ressaltam, parece, minhas estranhas características. Pior, acho, e tenho certeza de que estranhos são eles, são os outros, os conhecidos como normais, adequados, felizes em sua uniformidade. Os que seguem regras e costumes sociais, os que vivem como rebanhos, arrebanhando os seus, todos tão iguais, que hoje em dia reconheço em um que vejo, o outro e o o outro, embora ainda identifique apenas forte semelhança. Chegará o dia, quem sabe, que não mais identificarei indivíduos, apenas imagens de seres iguais. Repito as mesmas palavras, não é estilo, não é falta de estilo, apenas reforço do sentimento, da angustia, nesse inicio de madrugada, onde deveria estar festejando com meus pares e fugindo, vim esconder-me em meu quarto. Porque, ouso dizer aqui, em publico, e bom que esse publico seja pequeno, são todos loucos, entorpecendo-se em álcool, demonstrando uma alegria que não me parece verdadeira, dançando saltitantes, mulheres " em longas e sedosas vestes, com sapatos brilhantes de altos e elegantes saltos" na grama, cravados no barro. Aquele barro onde eu gostaria de pisar descalça, fosse outro o lugar, fosse onde atolei com prazer. Mas é o fim dessa jornada, e quem disse que seria fácil cumprir certas obrigações que assumi. Outra, caso eu continue com essas responsabilidades, só daqui a um ano. Muita coisa boa pode acontecer nesse período. Logo, logo, esqueço o mal estar, diluído em boas lembranças. Logo, logo, outras tarefas me apontarão o quanto quero estar longe dessas tarefas. E assim é.
9 comentários:
Porém o mundo conspira para convencer as pessoas a agirem assim. A encenarem a alegria que tanto gostariam - gostaríamos, aliás, eles e nós - de sentir. Só que nós temos nosso receptor - por defeito de fábrica, quem sabe - sintonizado em outra freqüência, não recebemos o sinal, não entendemos a mensagem. Nem melhores nem piores, somos apenas diferentes. Com pleno direito à nossa diferenca (não adianta, hoje a cedilha tirou folga). Em meio ao festim, peo licenca e me afasto da fogueira. Vou ate ali, ver as estrelas. Já volto, ou não tão já. Mas volto. Deixem-me ir.
Pois é, amigo, você está certíssimo,e dois dias depois eu até consigo entender com frieza crítica essa minha emoção, contradição.
Mas fiquei pensando sobre o que você disse, " nem melhores nem piores", essa uma tese que tenho discutido com uma amiga: sem hierarquização de valores ? Apenas experiência do SER ? Ou uma evolução na roda de existências, com um fim a ser atingido ? Algo alem de apenas diferentes ? Essa ideia-conceito de "nem melhores..." não é na verdade um niilismo fundando uma aparente tese de justiça moral?
deveria ter aspas no " justiça moral "
Tua tese sobre "nem melhores, nem piores, apenas diferentes" é excelente. Quero contribuir. Para julgar "melhor", "pior" é necessário um referencial. Partindo do pressuposto da humildade, isto é, nem eu, nem vc, nem o impressionista nos arvoramos em "medida padrão", é mais justo o veredicto "diferentes". Mas, havendo (há?) um padrão externo a nós mesmos, então é possível classificar "os melhores" e "os piores". Falei demais?
Quando na faculdade, tive um professor que dizia não existirem classificações certas e erradas, mas apenas úteis e inúteis (o fato de essa ser minha única lembrança daquelas aulas sugere que o restante não passou no crivo da utilidade, ao menos para mim).
Anedotas à parte, minha perspectiva não é a de abolir por abolir valores, ou seja, eliminá-los, deixando nada no lugar deles. Mas dentre todas as vezes em que não resisto à tentação de fazer julgamentos comparativos entre meu modo de agir e o alheio, apenas uma diminuta fração é-me realmente útil, me permitindo ajustar uma minha conduta incorreta ou, por outro lado, reafirmar a idéia de que estou agindo corretamente malgrado oposição das circunstâncias. Nas outras vezes, grande maioria, fico apenas frustrado diante de minha impotência, seja em moldar a atitude alheia ao que considero adequado, seja em mudar meus próprios modos para acompanhar os demais. Em suma, quando os critérios permitem que algum bem seja feito, a mim mesmo ou aos outros, viva eles. Quando são apenas fonte de desconforto e dilemas psicológicos circunscritos à minha mente, o mal feito a mim e a inocuidade desses sentimentos para os demais sugerem que eu os não alimente. Prefiro tentar pensar que, já que do ponto de vista moral somos iguais enquanto seres humanos, melhor que cada um se sinta livre para ser feliz da forma que preferir, na condição mínima de atropelar os demais na mesma busca. Mais que para os outros - que pouco suspeitam do que me vai pela mente - isso é libertador para mim mesmo. E com isso quero apenas explicar porque disse o que disse, e porque penso que isso não implique abdicar de todos os critérios de certeza, justiça ou utilidade moral. Mas não pretendo ter, nem nisso nem em nada, acesso a verdades absolutas.
Onde se lê: "na condição mínima de atropelar", leia-se: "na condição mínima de não atropelar". Atropelei o advérbio.
Acho que entendi, impressionista, seu ponto de vista.
Rubinho, interessante o conceito de "referencial", mas então pergunto, quem determina o que seria esse referencial ?
Há alguns anos venho estudando ética, na intenção ou ilusão de estabelecer ou compreender qual o fundamento ético que sustenta tantos padrões morais distintos, em diferentes culturas. Penso que este referencial possa ser algo como esse fundamento, mas sou uma pessoa de práticas e não especulações, então fico pensando, praticamente praticando, qual seria esse referencial ?
Se fizermos questão de referenciais universais, categóricos, transcendentes, quase posso afirmar que não há tais coisas.
Num nível mais particular (a épocas e lugares dados), prático e empírico, acho que referenciais são estabelecidos por sobreposicão das impressões individuais de certo e errado, bom e ruim, niveladas pela média ou pela interseccão dos conjuntos individuais de opiniões. É provável que seja muito mais complicado que isto, mas também que tal referencial seja, de qualquer forma, um produto da convivência gregária das pessoas num espaco, numa época e em torno de um certo feixe de relacões econômicas e culturais.
Mas o que me aflige neste raciocínio, e creio que aflija também à Sra. Da. Urtigão, é que isso nos deixa sem nenhum critério para decidir sobre os referenciais. Na verdade temos pouca dificuldade para decidir sobre o certo e o errado individual, com base num referencial circunstancialmente estabelecido e mais ou menos claro.
O que queremos saber, e não conseguimos, é se um dado referencial, que foi, está sendo, ou poderá vir a ser utilizado para classificar as condutas dos indivíduos, é ele próprio, enquanto referencial, "certo" ou "errado", "melhor" ou "pior".
Para isso, precisaríamos de "metarreferenciais", mas aí, estaríamos saltando para um espaco de pensamento onde ja não se tem coincidência de tempo, espaco, substrato economico ou cultura.
Daí, ivariavelmente, quando alguém volta desse espaco de pensamento com respostas, isto é, com um critério pelo qual certos referenciais são bons ou ruins em relacão a outros, é porque já tinha em mente essas respostas antes de formular as perguntas, ou, de outra forma, já tinha os critérios para formular um "metarreferencial" antes que surgisse a necessidade dele, e todo o raciocínio que parece sustentá-lo não passa de uma "conta de chegar", um discurso de racionalizacao. de inclinacões preexistentes.
O bonito disso é sua natureza cíclica. Regras gerais surgem de perspectivas particulares, e perspectivas particulares questionam, aprovam ou rejeitam regras gerais.
O que quer dizer que esta é uma discussão fadada a não terminar...
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