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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Resolução de Ano Novo



300 mil habitantes em minha cidade. Um tanto a mais.
E quando ando pelo centro da cidade encontro inumeros conhecidos, amigos. Se paro para conversar com alguem, sou abordada por outros e outros. Mas esta não é minha cidade. Este sentimento de não pertencimento, um estranhamento indefinível. Aqui, nesta cidade, sempre vivi, aqui trabalhei, criei minha familia. E nunca fui daqui.
Este bairro onde moro é o mesmo onde nasci. Onde nasceram meus pais e antes deles, meus avós. As familias que aqui residem são as mesmas, em sua maioria, a gerações. Mas não sou daqui. Fora dos portões da casa em que moro, não estou em um lugar que reconheça como meu. E não falo de posse de propriedade, não, pois possuo uma propriedade aqui, na praça do comercio local, e outra em um bairro distante. Mas nesta praça onde nasci e vivi a minha infancia , quando vou, quando é necessário ir a algum estabelecimento como padaria, por exemplo, sinto tamanho desconforto que parece até uma dor física. E as vezes doi fìsicamente, o estomago, a cabeça. Esta falta que sinto do meu lugar, das "minhas" pessoas.
Já residi muitas vezes por bastante tempo em outros bairros. Mas é sempre o mesmo.
Eu não sou daqui.
E no entanto amo estas montanhas, estas paisagens, a neblina.


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5 comentários:

Furrequinha disse...

Muito interessante. Muito, mesmo. Sinto (ou passei a sentir, num determinado momento de minha vida) o mesmo na minha cidade natal, da qual estou distante há tempos.
E às vezes me sinto estranho em casa, no trabalho, dentro do meu corpo.
Sem mais, para o momento.
Abraços, daqui

Anônimo disse...

Srª Dª Urtigão, tenho parado muito em seu blog nestes dias de final de ano. Não tenho me animado a comentar, apenas constato a sintonia entre o que você escreve e o que sinto.

Quanto ao desejo de tolerância que não encontro dentro de mim mesmo. Se eu não me tolero, não me perdôo o suficiente, que se dirá aos outros...

Quanto à abominação por gente, não por todos mas pelo "amálgama", pelo universal genérico "gente" com suas "gentidades" medíocres... pior: a gente como um todo é rasa, nivela-se pelo mais baixo, pelo mais superficial.

Só não me posso denominar bicho-da-mata porque não tenho mata. Só tenho a selva de pedra. Em volta nem isso, ao alcance do carro só há canaviais... Então nas frinchas, nos alcantis da selva (de pedra) me oculto como uma coruja (e o blog é meu piar soturno).

Passei as festas sem festa. Feliz com quem amo e quem me ama. Mas quieto. Diante da TV, da banalidade das festas que todo ano se repetem, começando pelos fogos de artifício da ponte de Sidney e terminando pelos escabrosos shows televisivos, invejei os aborígenes que desconhecem o calendário.

Revisitei o lugar onde nasci e senti o mesmo, o mesmo, o mesmo.

E, agora, embora escrevendo isto, concluo de uma forma que não creio negativa: não sinto pesar nem negatividade nesse meu texto, nem nas suas postagens. Acho, manejar esta consciência que é parte dom, parte conquista, pode parecer dorido e triste às vezes, especialmente quando as pessoas à nossa volta disso fazem anátema. Mas pensar, refletir, pesar, criticar, idealizar, imaginar, despencar de novo na realidade e repensar tudo, é o conjunto de atos que, sim, nos divide, aparta-nos os heterônimos imprensados dentro do animal corpo humano, porém integra, a partir desses pedaços, a não-coisa do espírito humano.

E agora vejo, sinto, concebo que um pássaro só e uno quando está no chão. Voando, é um corpo entre duas asas, que são mais que esse corpo, estão fora dele, são maiores que ele. Um corpo que pertence às asas mais do que estas pertencem ao corpo. E separadas, distantes, ora abertas em direções diversas, ora agitando-se como se quisessem rebentar o corpo no meio delas, elas o levam longe céus afora. O estranhamento do pensar é as asas da transcendência humana.

2009. Feliz? Se for o caso de ser. E pronto!

Dona Sra. Urtigão disse...

Renato

Certa vez li em algum texto "ufo- esotérico" que este sentimento está ligado a condição de anjos caidos. Mas falando sério , penso ser a falta de "identificação social" que Durkheim descreve em algum lugar. É, acho que não consigo falar sério, com fundamentos. O fato é que desejo afastar-me da minha cidade natal, mesmo sabendo que 'eu' me acompanharei aonde for. Mas é que tenho me sentido mais confortavel onde ninguem me conhece, onde não tenho historia. E minha história é nenhuma.
talvez eu tenha lido demais Carlos Castaneda e ficado impressionada... HIHIHI !


oimpressionista
o que voce escreveu afetou-me bastante, não por achar triste ou angustiado, mas da forma que nos afeta um choque de realidade. Tambem algo como "existem outros de minha tribo perdidos por ai". De certa forma uma identificação.
O calendario ...imposto por razões comerciais acaba por nos escravizar. Melhor seria se pudessemos acompanhar aqueles da natureza, lunares, estabelecidos pelos solsticios, pela posições das paleoconstelações.
Sou bichodamata por teimosia, pois que cada vez mais a mata se afasta, ou a selva de pedra se avizinha e então concluo que eu DEVO me afastar, enquanto for possivel, para sobreviver às gentes.
Quanto ao espirito humano, para que eu possa compreender, voce fala no sentido de uma espiritualidade transcendental ou fenomenológica?
E ainda quanto as partes e o todo, na sua metáfora do pássaro, não consigo compreender uma dissociação, pois que uma nada seria sem a outra. E penso então na "minha" existencia dentro da minha sociedade/cultura e fico quase em pânico por ter que me aceitar parte "daquilo". O pensar, transcendencia, as asas, sempre estarão vinculadas a imanencia, ao sentir, aos instintos.Ao corpo.
Mas feliz, o ano sempre será mesmo que tambem infeliz, afinal, são os dois lados da moeda.
Abraço efusivo agradecido.

Anônimo disse...

Voltei aqui porque sua carinhosa resposta tem perguntas. Não queria deixá-las para trás sem resposta.

Quando falo de "espírito humano" falo de algo que não sei descrever. É um pouco chato isso, referir-se a coisas que se sente mas que não se sabe explicar. Como não professo religiões, mas também não as nego, não posso proibir que entendam que falo de uma "alma". Acho que o mais próximo da idéia que posso ir está na expressão "não-coisa". Há muito numa pessoa que é "coisa". Não só o corpo e sua aparência externa, mas o que vai dentro, as dores físicas, o funcionar dos órgãos, e até mesmo os impulsos eletro-químicos (às favas com a reforma ortográfica, continuarei a usar hifens por instinto) que formam os pensamentos e as emoções. Mas, sei lá, não aceito bem a idéia de que a pessoa se reduza a isso. Talvez a "não-coisa" se limite ao que a pessoa fez, às marcas que deixou no mundo e na lembrança dos outros. Talvez não, talvez haja mais, haja uma luz que continua indo, de alguma forma, mesmo quando a vela se apaga. Talvez hajam "almas" (que sei eu?). Mas deixemos assim: espírito é toda a não-coisa de cada um, que resta quando a coisa de cada um é enterrada ou cremada... O visível mais o invisível, o sensível mais o imperceptível, o conhecido mais o desconhecido, de tudo o que se refira à pessoa sem depender do corpo vivo dela. Ufa!

E, claro, concordo com você sobre a incompreensibilidade de uma dissociação: o que dá sentido à idéia de todo e de partes é a singularidade do todo em relação às partes reunidas. Somos todos partes, somos todos átomos. Os pássaros são todos asas+corpo, desde que juntos, não dissociados. Dissociados, são no máximo conteúdo de bandejas de balcões refrigerados (arrepio). Enfim... Tudo que há dentro de nós: necessidades, apetites e dores do corpo físico, aflições e êxtases de nossas emoções, considerações e juízos de nossa razão, são partes que existem como tal, fazem sentido, têm função, porque agregadas. O que as agrega num todo? Eu pensei, e quis dizer, ao escrever o comentário, que o agregador seja justamente o espírito, seja lá o que seja: a não-coisa que nos faz ser para além do mero existir. Sem pretensões conceituais filosóficas.

Abração!!

Dona Sra. Urtigão disse...

oimpressionista,
venho lendo e relendo suas considerações, refletindo, e não encontro nada a acrescentar ou perguntar. Por isso me calei, mesmo parecendo com isso indelicada.
Abraço.

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